sábado, 18 de fevereiro de 2012

Dois encontros de Geneton Moraes Neto com Paulo Francis lançam luz no jornalismo "chapa branca" recheado de bom-mocismo politicamente correto. Jornalistas, acordai vós as capacidades equipotenciais ou localizacionistas de seus cérebros privilegiados por Deus! Mesmo os agnósticos, sendo jornalistas, acreditam se não em Deus, que sejam o Mesmo!


Paulo Francis: “Eu era uma criança que confundia desejo com realidade” (aqui, o relato de dois encontros com o “lobo hidrófobo”) qui, 16/02/12

por Geneton Moraes Neto |
categoria Entrevistas
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Faz quinze anos Paulo Francis morreu.  Meus arquivos-não-tão implacáveis guardam o relato de dois dos tantos encontros que este locutor teve com a fera :

PRIMEIRA ESCALA : RIO DE JANEIRO, 1994


A presença de Paulo Francis intimida, porque ele é um caso clássico de “monstro sagrado” do jornalismo. Quando Jack Nickolson, no papel de âncora de telejornal de rede, vai visitar um escritório regional provoca em torno de si uma onda de silêncio reverente pontuado por olhares inquisidores, no momento em que, superior, entra na redação. A cena é do filme “Nos Bastidores da Notícia”.
Paulo Francis não chega a tanto, mas, quando sai, deixa ecos atrás de si. Fiz uma entrevista com ele para o “Fantástico”. Um dia depois do programa, Paulo Francis foi à redação, para, civilizadamente, dizer que tinha gostado do material. Fez uma cópia da entrevista em VHS. Ia levar para Nova Iorque. Segundos depois da saída de Francis, ouvi comentários de todo tipo. Um amigo, brincalhão, simpatizante do PT, saiu-se com essa :”Ok,agora só falta você fazer matéria com o outro Paulo – o Maluf” – uma referência enviezada às críticas contundentes que Paulo Francis passou anos fazendo à administração Erundina na Prefeitura de São Paulo. Outro amigo veio correndo me cumprimentar: “Gostei de ver ! Paulo Francis veio bater continência !”. Luiz Petry,excelente poeta que nas horas vagas é editor do Fantástico, confessa, ao lado, que aprendeu com Paulo Francis a escrever em estilo direto, com frases curtas. O que mais um jornalista pode querer, além de espalhar influências pelas redações ?
Hélio Fernandes rugiu na Tribuna da Imprensa : “Melancólica,humilhante,ridícula e até vergonhosa a apresentação de Paulo Francis no Fantástico. É natural que ele queira iludir os espectadores para vender o seu livreco”. Ninguém fica indiferente à fera.
Ao contrário de todas as aparências, Paulo Francis não late nem morde. É um “doce de pessoa” – dizem os que convivem profissionalmente com ele. Bem humorado, brincalhão, solta gargalhadas quando conta piadas sobre a aparição do “horto florestal” de Lílian Ramos no camarote de Itamar Franco, no Sambódromo. Parece sinceramente espantado quando lhe faço um breve relato das reações raivosas que provocou em Pernambuco quando deu uma pichada no suposto provincianismo do então ministro Gustavo Krause. Disse que depois elogiou a posição correta de Krause numa votação no Congresso. Além de tudo, chamou o Nordeste de região “desgraçada” – não os nordestinos.
“Desgraçado”, entre outras coisas, quer dizer “muito pobre,miserável,indigente”, informa o Dicionário Aurélio, nosso pai. Era,certamente, o que Paulo Francis queria dizer sobre o Nordeste. Por acaso é mentira ? Num comentário bem-humorado feito ao jornalista pernambucano George Moura – que o escolheu como tema de uma tese universitária – Francis disse, sorrindo, que o filme “Os Imperdoáveis” é sucesso em Pernambuco….
Provincianismo existe em Pernambuco e em Nova Iorque. Pausa para uma digressão na primeira pessoa do singular. Convidado a escrever um punhado de linhas sobre um livro escrito, impresso e lançado no Recife, vi meu texto, reescrito, ser trucidado por erros de concordância. Pensei em comprar uma página inteira para dizer, em matéria paga, que Pernambuco é o único lugar do mundo em que você é convidado a fazer um elogio a um livro e o que acontece ? Suas palavras são reescritas, desarrumadas,distorcidas e, finalmente, impressas na orelha do livro. Pode existir caso maior de provincianismo ? Isso também é sintoma de desgraça. Não quer dizer que se deva condenar o Nordeste a arder no quinto dos infernos. Ponto. Parágrafo.
Francis começa a falar.Vai logo escolhendo um político pernambucano entre os pouquíssimos de quem seria capaz de comprar um carro usado. É sinal de armistício com Pernambuco ? Pode ser.”Bandeira branca, amor”.
Francis diz estar plenamente convencido de que não tem influência alguma sobre o comportamento dos outros. Mas tem, sim. Ninguém precisa concordar com o que ele diz ,é claro. Mas a gente aprende com Francis a -pelo menos- tentar ser independente, a marcar posições, a não avalizar a mediocridade, a não seguir o rebanho geral com a docilidade de um boi zebu cabisbaixo a caminho do matadouro, a não referendar as imposturas dos poderosos. Ok, nem precisa tanto. Aprender com Paulo Francis a tentar escrever simples, direto, já é uma grande coisa. É tudo o que um jornalista deve querer.
O lobo vai falar. Senhoras e senhores, com vocês, Paulo Francis, o lobo hidrófobo – de volta às paradas de sucesso nas páginas do livro recém-lançado “Trinta Anos Esta Noite”, um texto que é um achado, porque mistura em doses certas a memória pessoal com a memória nacional.
1-De qual dos políticos brasileiros você compraria um carro usado ?
Francis – De vários. Tasso Jereissati, Fernando Henrique Cardoso – a quem dou um crédito de confiança grande, porque sei que é uma pessoa honesta, que vem fazendo o melhor que pode. Como é o nome daquele prefeito do Recife ? Jarbas Vasconcelos. Três já bastam.
2-Você é frequentemente criticado porque teria se transformado de revolucionário em conservador. Você aceita essas críticas ?
Francis – Passei de criança a adulto. Eu era uma criança que confundia desejo com realidade. Eu tinha certos desejos -que eram fraternais com relação à minha situação privilegiada e à situação desprivilegiada de outras pessoas. Mas descobri, ao ver o mundo aí fora, que a maneira de resolver esses problemas não é a maneira pregada pelos principais grupos populares aqui do Brasil. A grande transformação foi esta. Vi que os países ricos são paises que se abrem para o capital e fazem iniciativa privada. Como é que você vai empregar os brasileiros sem iniciativa privada ? Vai fazer de todo mundo funcionário público ? As repartições públicas já estão falindo ! E com esses milhões que estão aí o que é que você vai fazer ? É preciso abrir desde botequim a fabrica.Isso só com capital privado !
3-Você confessa hoje que tem simpatias pela social-democracia. O caminho para o Brasil pode ser esse ?
Francis – Certamente. A social democracia é imperfeita -sem dúvida- mas é a coisa mais justa que há. Porque garante o mínimo necessário a quem não pode lutar pela sobrevivência e, ao mesmo tempo, permite que quem pode se expanda sem ditadura sem nada. Veja os países mais avançados do mundo : sÃo os escandinavos. A própria Alemanha é uma social-democracia,a França … E os Estados Unidos são uma social democracia – desorganizada, mas, se você falar assim nos Estados Unidos, eles acham que você é comunista. O que tem de auxílio às pessoas necessitadas é igual a qualquer social-democracia européia.
4-Você se considera o último representante de um tipo de jornalista que tem opinião própria e ocupa espaço privilegiado na grande imprensa ? Hoje,você é um caso único no Brasil…
Francis – Há vários outros que estão por aí. A minha tendência – escrever, discutir,ter opiniões – caiu muito de moda. A tendência hoje é fazer tudo curto, tudo pequenininho – mas trabalho também no curto e no pequenininho. Tanto é que faço comentário de um minuto na televisÃo. Mas há um desequilíbrio hoje entre as duas tendências. O período da minha juventude foi um grande período jornalístico, com Carlos Lacerda, Joel Silveira, Moacyr Werneck de Castro, Paulo Silveira, Octavio Malta – são incontáveis. Todos eram pessoas com opiniões definidas que se expressavam. Não estou nem julgando tendências. Só estou falando da qualidade. Hoje,na imprensa brasileira, há uma falta grande de gente que discute e dá opiniÕes. Eu de fato sou um dos que vai contra a corrente.
5-Quando publicou o romance Cabeça de Papel,você ficou deprimido com a falta de repercussÃo cultural aqui no Brasil.Isso ainda assusta você ?
Francis – NÃo. Resolvi botar o freio nos dentes e ir em frente(rindo). Você deve fazer aquilo que quer. “Trinta Anos esta Noite” é um livro que senti muito prazer em escrever. Afinal de contas, 1964 foi o acontecimento decisivo na minha geração. Eu tinha a idade de Cristo – 33 anos. O mundo que eu imaginava era completamente diferente do que viria a acontecer. As gerações mais jovens – que não têm idéia do que foi l964 -sofreram sem saber uma influência profunda do acontecimento. Por isso, eu quis tornar público o meu depoimento, porque há poucas histórias de 1964. Não estou dizendo que a minha história seja a única. Mas é uma versão da história que eu conheço e testemunhei. Não pretendo saber o que estava na cabeça de A,B ou C.
6-Como é que você espera ver o Brasil nesses próximos anos ?
Francis – Eu li em sete de fevereiro de 1994 uma nota surpreendente -para mim,pelo menos – no Wall Street Journal : em 1992 e 1993,entraram mais de 50 bilhões de dolares no Brasil. Você  sabe a que isso se deve ? A pequenas entreaberturas que o senhor Fernando Collor fez quando presidente, como baixar tarifas, por exemplo. Se o Brasil abrir,entram 500 bilhões de dólares ! Vai haver emprego e vai haver prosperidade. É essa a minha esperança.
7-Em qual dos atuais presidenciáveis você apostaria uma ficha ?
Francis – Não cheguei ainda a uma conclusão. Certamente não apostaria em Lula. Não há a menor dúvida, porque ele quer um retrocesso quando fala em reestatizar .O maior problema brasileiro são as estatais ! A grande dívida interna brasileira, a razão central da inflação – não a única – é esta máquina estatal que devora os recursos e toma todo o capital.Você não pode abrir uma empresa porque os juros estão na lua ! Pela constituição,o governo não pode imprimir dinheiro. Então,ele tem de tomar dinheiro emprestado. Para emprestar a um governo desse,você tem de emprestar a juros altíssimos. Quanto mais diminui o dinheiro, mais aumentam os juros.
8-E se JoÃo Goulart tivesse resistido em 1964 ?
Francis – Você teria certamente o início de uma guerra civil,mas, dado o temperamento brasileiro, haveria um acordo, um armistício dos militares. Talvez se convocasse uma eleição. Nós estávamos a um ano de uma eleição. A verdade era essa. Teríamos com toda certeza uma guerra civil, porque Jango tinha amplas condições de resistência. Quanto à guerra civil, tenho certeza. Quanto ao acordo, estou especulando – haveria um acordo entre os militares para o cessar-fogo. Haveria uma eleição que estava prevista para o ano seguinte, onde Carlos Lacerda defrontaria Juscelino Kubitscheck.
9-Jango estava mal informado sobre a conspiração ?
Francis – A meu ver, estava totalmente desinformado, porque ele nÃo tinha uma assessoria capaz,o que é um problema aliás muito de político brasileiro. A assessoria militar de Jango era especialmente fraca. Eu me refiro a Assis Brasil – que era um homem de grande coragem pessoal,general corajoso pra chuchu,mas um homem entediado. Não informava Jango da disposição de outros generais, como deveria informar.
Vou fazer uma revelação a você : participei como espectador de uma reunião -nem contei no livro, é uma coisa confidencial,não posso nem dar o nome das pessoas. Mas participei de uma reunião de generais que me mostrou -a mim e a outros civis- como os quadros do Terceiro Exército que tinham empossado Jango estavam sendo pouco a pouco substituídos por generais hostis ao presidente.
10-Quem foi a vedete que ia ver João Goulart no exílio ?
Francis – Há uma frase em inglês que diz:”Kiss and tell”-beijar e contar.Sou inteiramente contra essa frase….(rindo).
11-Qual foi a melhor e a pior herança deixada por 1964 ?
Francis – A melhor foi a do crescimento econômico. Pela estrutura montada no governo Castelo Branco pelo senhor Roberto Campos e pelo senhor Gouveia de Bulhões, o Brasil nos períodos seguintes -no governo Médici- cresceu como nunca na história. A pior foi a despolitização total do nosso povo- uma espécie de névoa que caiu sobre a sociedade civil brasileira e arruinou várias gerações que poderiam ter sido líderes políticos e não vieram a ser. Hoje,estamos aprendendo duramente com esses líderes de quinta categoria que temos aí.
12-Você diz que quando era criança parecia um cão hidrófobo .E hoje,você se parece com o quê ?
Francis – Que tal um lobo hidrófobo ?
13-O fato de ser imitado em programas de humor incomoda voce ?
Francis – De jeito nenhum.Acho que se voce e uma figura publica – como e o caso de um jornalista de televisão – voce tem de estar preparado para tudo. A imitação é a mais expressiva forma de lisonja – esta é que é a verdade.
14-Qual o personagem mais interessante da história recente do Brasil ?
Francis -  Getúlio Vargas inventou o Brasil moderno, o Brasil uniformizado. A influência de Getúlio Vargas é tão positiva quanto nefasta. Ele é contraditorio. O sujeito mais difamado do Brasil é um homem que participou de todas as decisões econômicas importantes do Brasil. Chama-se Roberto de Oliveira Campos – que, indiscutivelmente, é uma presença intelectual fortíssima na vida brasileira, mas negada pelos seus inúmeros inimigos, tanto quando Getúlio Vargas foi uma presença política muito mais forte do que qualquer outra pessoa no nosso tempo.
15-Quando é afinal que o Brasil vai ser um pais rico e feliz ?
Francis – O Brasil só não é rico porque não quer. Viajei para o Brasil com o diretor de uma grande empresa americana – que adora o nosso país.Vai se aposentar aqui. Fica estupefacto com as chances que nós perdemos de ficarmos ricos.Temos de vencer uma certa infantilidade que há no nosso temperamento,uma confusão de desejo com realidade. Mas felicidade é um conceito mais complexo. Ser rico não significa necessariamente ser feliz. Mas é claro que ficar rico ajuda bastante. O Brasil tem um dever consigo próprio de eliminar as necessidades básicas do ser humano – e o Brasil não cumpre isso,os governos não cumprem isso,a nossa sociedade não cumpre isso”.

SEGUNDA ESCALA : LONDRES, 1996


Cenas londrinas. O locutor-que-vos-fala passa numa livraria num fim de tarde, para, num exercício de masoquismo, checar o QI (Quociente de Ignorâncias ). A visão de vitrines abarrotadas de livros que jamais serão lidos, por absoluta falta de tempo, provoca temores íntimos.
Diante de prateleiras superlotadas de títulos novos, um sentimento parece inevitável: é frustrante saber que o Quociente de Ignorâncias permanecerá alto até o dia do blecaute final. Resta um consolo: deve ser saudável a compulsão íntima de passar o resto dos dias, meses e anos em silêncio aboluto, numa ilha do Oceano Pacífico, a milhares de quilômetros de qualquer aglomeração humana, em companhia de livros que – estes sim – fazem falta.
“O inferno são os outros”, já dizia o velho Jean Paul Sartre, coberto de razão da primeira vogal à última consoante. Desde então, não surgiu sob o sol ninguém capaz de alinhavar dois argumentos razoáveis contra esta verdade indiscutível. Bendita seja a solidão dos Robinsons Crusoés. Porque eles terão, na solidão de duas ilhas imaginárias, tempo e silêncio para ler todos os livros que ninguém jamais lerá.
O locutor-que-vos-fala vai articulando este discurso silencioso entre uma e outra prateleira de uma livraria, em Piccadilly, quando é surpreendido por um tapa ( amistoso ) nas costas. Surpresa ! Quem se materializa, ali, numa tarde de sábado da primavera de Londres ? O lobo hidrófobo em pessoa – Paulo Francis.
“Vendo os clássicos ? Meus parabéns: é a única seção que presta aqui…” – exclama, enquanto chama a mulher, a simpática Sônia Nolasco. Um dia antes, no escritório da TV Globo, Francis falava do holocausto nefrológico ocorrido em Caruaru. Reclamava da reação tímida do governador Miguel Arraes, sinal de “desprezo pela opinião pública”. Queixava-se também do tempo insuficiente dedicado pelas TVs à cobertura da tragédia. Comparou: os telejornais noturnos dos Estados Unidos levaram ao ar reportagens de dez minutos sobre o caso daquela menina que morreu ao tentar pilotar um avião. Se uma tragédia como a de Caruaru tivesse ocorrido nos Estados Unidos – diz Francis – “dez repórteres estariam lá entrevistando todo mundo”.
 A Editora Objetiva publica um livro que o jornalista pernambucano George Moura escreveu sobre um Paulo Francis praticamente desconhecido – o ator, diretor e crítico de teatro. A pesquisa teve cenas de odisseia: George Moura localizou, em velhos exemplares do já extinto Diário Carioca, nada menos de 1.238 críticas de teatro assinadas por Paulo Francis, ali pelo final de década de cinquenta, início da década de sessenta.
A redescoberta dos artigos tem um sabor extra: há décadas, Paulo Francis já exercitava, naquele estilo de frases curtas, sem rodeios, a indispensável “metralhadora giratória”. Tal virulência faz falta no jornalismo cultural que se pratica no Brasil.
A virulência do jornalismo cultural de Paulo Francis – exercido com brilho nas críticas teatrais – deve ser saudada com fogos. É óbvio que ninguém precisa concordar com os julgamentos de valor que ele faz. De resto, Francis não é candidato a nada, não anda à procura do voto de ninguém. Prefere dizer o que pensa. E o que ele pensa não se adapta à mentalidade mediana fundada sobre boas intenções “politicamente corretas”.
O alvoroço provocado por um comentário de Francis sobre o Nordeste é típico. Num artigo, ele chamou o região de “desgraçada”. O dicionário ensina que o adjetivo desgraçado se aplica a quem é “muito pobre, miserável, indigente” – cenário extremamente familiar a nós, nordestinos. Ou será que não ? É facílimo constatar. Basta passar quinze minutos em qualquer ruela da zona da mata, habitada por gente infestada de esquistossomose, crianças que jamais tiveram a chance de se alfabetizar, trabalhadores braçais que cumprem a rotina animalesca de trabalhar feito bichos para conseguir o mínimo necessário à sobrevivência – e assim por gerações & gerações & gerações.
A convivência com a miséria, já incorporada à paisagem nordestina, cega o observador. De tão visto, o quadro de absurdos passa a soar tão natural quanto o por-do-sol. Não é, obviamente. Acostumado a ver a fome como mera referência literária, qualquer europeu bem informado certamente se chocaria com a visão da desgraça em estado bruto nos grotões nordestinos. Se a paisagem da miséria não é “desgraçada”, então o que será ?
…Mas o livro do pernambucano George Moura sobre Paulo Francis são entra, obviamente, na discussão semântica sobre a palavra “desgraçado”. Apenas mostrará que um jornalismo cultural exercido com independência, com rigor de julgamento e com senso crítico extremado é um produto que faz bem a qualquer país em qualquer tempo.
Admiradores ou desafetos de Paulo Francis ganharão com a descoberta deste ex-crítico de teatro que agora, neste fim de tarde de um sábado de primavera, transita anônimo entre prateleiras de uma livraria no centro de Londres.
(*) O artigo “Quatro ou Cinco Coisas que Devem ser Ditas sobre o sr. Paulo Francis” foi publicado em maio de 1996, no Diário de Pernambuco. Meses depois desta expedição londrina, Francis estava morto. That´s life.

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