quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

800 milhas com Les Paul e El Tigre entre Oklahoma City e Chicago conduzindo uma jamanta com equipamento do Led Zeppelin na tournée americana de 1977. E o inusitado encontro com 'A Wireless Message' de Ambrose Bierce na bela voz de um misterioso bluesman nonagenário em um pub decrépito da Cidade dos Ventos



Na madrugada de 4 de abril de 1977 eu deixei para trás Oklahoma City, obviamente no estado de Oklahoma. 800 milhas separavam eu e El Tigre, mi perro louco, de Chicago, passando por Saint Louis. Tinhamos menos de 24 horas para cobrir a distancia com nosso truck Mack, uma jardineira composta por duas carretas enganchadas e um total de ' 500 ' pneus carregada de cabeçotes e colunas Marshalls, mesas de som e PA's, alguns instrumentos de reserva e toda sorte de quinquilharias da parafernália que compõe o palco e o backstage de um bom show de rock. O principal do line up seguia de aviao. A prudencia me fez começar na boléia do caminhão. Havíamos os dois trabalhado duro antes e depois do show do Led Zeppelin no The Myriad, mas El Tigre tinha fumado bagulho demais e suas orbitas giravam mais que carrossel desgovernado. Era o segundo show da banda e desde o primeiro, em Dallas, TX, nos incorporamos como roadies a troupe [para fugir do juiz insano que nos prendera em.. (ver este post antigo e também este)
Nosso trabalho consistia em descarregar as grandes carretas de equipamento nos estádios e recarrega-las e descarrega-las no aviao, isso sucessivamente ate 13 de agosto do Ano da Graca de 1977. Data do último show marcado para o J. F. Kennedy da Philadelphia, e que acabou cancelado (conto essa historia depois). Éramos encarregados de buscar birita e afins para o staff britânico. O show em Oklahoma provocou histeria a exemplo do show no Memorial Auditorium, de Dallas, ocorrido dia 1o. de abril. A pasmaceira foi geral, todos boquiabertos com o quarteto ensandecido formado por Jimmy Page, Robert Plant, John Bonham e John Paul Jones, destilando os alcoois e barbituricos com botinadas estereofônicas na orelha da turba. As pedradas como Rock'n Roll e Black Dog eram entremeadas pela chapante Starway To Heaven, um hino na comunidade hippie-hiponga remanescente.
Continuava nosso mergulho na boca negra da noite na I-44 E. Pelas três e meia da manhã apareceram algumas milhas à frente de nossa centopéia as luzes de Tulsa. Um pouco mais ao Norte tem outra rota que passa por Kansas City e Iowa City. Um pouco mais longa e mais gelada, e no inicio de abril ainda sujeita a nevascas. Em poucas horas estávamos na trilha seguindo o rastro do farol rasgando a escuridão. Onde o dial do radio estacionasse, algum ótimo jazz ou triste blues invadia a cabine. La fora fazia 3 graus Celsius. Dentro, no máximo 5 graus, se não a mesma coisa. A calefação estava quebrada e nossos ossos enregelados.
Em Chicago a banda tocaria nos dias 6 e 7 e 9 e 10 de abril no Chicago Stadium. A logística era absurda. Toneladas de equipamento eram transportados e depois instalados de modo a cobrir o imenso estadio. Quatro shows. Foi nosso primeiro contato com a Cidade dos Ventos. Seio farto e generoso que acomodou tanto os emigrantes do Delta do Mississipi com seu blues triste, quanto a transformação no blues elétrico e pilhado que nascia no inicio dos anos 20, você encontra em Chicago as melhores casas de blues da America. E não falamos das mais famosas, das fakes e dos pubs pega-trouxas. Algumas biroscas transversais ao mainstream turístico escondem monstros das seis cordas, do piano e do sopro que enlevam seu espirito e transportam-no ao céu ou mergulham sua alma num caldeirão do diabo em apenas um riff espetacular. Tudo com a mesma facilidade. Naquela noite de 5 de abril eu e El Tigre, acompanhados por um ogro de 2 metros de altura, um irlandês ruivo com uma barba de quase 30 centímetros, gente boa que fazia a segurança do transporte, saímos pouco depois da meia-noite e meia da passagem de som no Chicago Stadium. Tudo estava pronto para o show do Led em Chicago. Missão cumprida. A parte inglesa da cacalhada e alguns roadies foram afrouxar as calcas em puteiros na regiao das docas. Nos só queríamos beber umas cervejas e shots de wiskey vagabundo, queimar um joint e dormir; repor o sono da desgastante viagem noite a dentro e dia anterior inteiro enjaulados na cabine do Mack. Sorumbáticos e silenciosos, quando chegamos 19 horas depois, quase 9 da noite e parando apenas três vezes ao longo do trajeto enregelante, ninguém falava nada. Descarregada a carreta, cá estamos vagando nas imediações da West Madison St com a North Ogden Ave, uma zona predominantemente comercial e a essa hora da noite ainda mais deserta. Foi quando de inopino divisamos um aprazível mafuá onde hoje funciona uma das famosas Billy Goat Tavern & Grill, criada em 1934. A placa na entrada diz: Enter At Your Own Risk.
Plant e Page reservavam surpresas para o primeiro show na cidade. Mas não seria, como descobrimos de maneira inesquecível, maior e mais impactante que a que um homem d 91 anos nos provocou. O bar tinha um letreiro de neon com metade das letras intercaladamente apagadas. Piscava em vermelho wiskey e em branco azulado, BLUES a Live. Entramos, alguns negros nos olharam sem reação de seus olhos obnubilados, outros com um esgar de desdém no canto de seus lábios carnudos. Num canto escuro do buteco estava a figura enigmática de um bluseiro negro, ralos cabelos brancos, gravata borboleta desgastada, um paleto escuro 
surrado, igual ao da famosa foto de Robert Johnson, punhos poídos. A perna caída da banqueta apoiava o peso da idade, isso enquanto não ritmava com os pés o melancólico blues. 
Big Moe Joe, ao menos era o que estava escrito à ponta de faca no estojo de seu violão, feito de  madeira revestida de curvim acolchoado de veludo de uma cor que outrora deve ter sido jasmim. Com seus pés encaçapados em um par de botinas enormes, igual aquelas da Iª. Guerra Mundial, ele sincopava tal e qual um metônomo analógico,  compasso após compasso. Apoiava o velho violão dobro Gibson em sua perna esquerda e desenhava lindos acordes com seus dedos mumificados pelo tempo. Sobre o fundo musical enigmático que construía, contava uma historia cujo seu testemunho ocular juraria solene, e se desafiado, sobre o jazigo de sua velha mãe enterrada milhares de curvas e milhas, mapa abaixo, em New Orleans. A voz rouca, era aveludada e doce como o conhaque de quinta categoria que sorvia com vagar junto com os cubos de açúcar para cavalos de corrida que deixava derreter no canto da boca. O ritual repetia-se a cada gole Afirmava ter sido testemunha do causo quando tinha uns 8 ou 10 anos e seu pai o mandou procurar pelo patrão chamado Mr. Holt. Não lembrava ao certo a idade que tinha ao tempo dos fatos e nem a que hoje tem. Nem tampouco que fora testemunha ocular de um conto fantástico de Ambrose Bierce chamado 'A Wireless Message". E e isso pouco interessa:
In the summer of 1896 Mr. William Holt, a wealthy manufacturer of Chicago, was living temporarily in a little town of central New York, the name of which the writer’s memory has not retained.  Mr. Holt had had “trouble with his wife,” from whom he had parted a year before.  Whether the trouble was anything more serious than “incompatibility of temper,” he is probably the only living person that knows: he is not addicted to the vice of confidences.  Yet he has related the incident herein set down to at least one person without exacting a pledge of secrecy.  He is now living in Europe.
One evening he had left the house of a brother whom he was visiting, for a stroll in the country.  It may be assumed - whatever the value of the assumption in connection with what is said to have occurred - that his mind was occupied with reflections on his domestic infelicities and the distressing changes that they had wrought in his life.

Whatever may have been his thoughts, they so possessed him that he observed neither the lapse of time nor whither his feet were carrying him; he knew only that he had passed far beyond the town limits and was traversing a lonely region by a road that bore no resemblance to the one by which he had left the village.  In brief, he was “lost.”

Realizing his mischance, he smiled; central New York is not a region of perils, nor does one long remain lost in it.  He turned about and went back the way that he had come.  Before he had gone far he observed that the landscape was growing more distinct - was brightening.  Everything was suffused with a soft, red glow in which he saw his shadow projected in the road before him.  “The moon is rising,” he said to himself.  Then he remembered that it was about the time of the new moon, and if that tricksy orb was in one of its stages of visibility it had set long before.  He stopped and faced about, seeking the source of the rapidly broadening light.  As he did so, his shadow turned and lay along the road in front of him as before.  The light still came from behind him.  That was surprising; he could not understand.  Again he turned, and again, facing successively to every point of the horizon.  Always the shadow was before - always the light behind, “a still and awful red.
Em uma tradução livre, porca e torta...  'O verão de 1896, o Sr. William Holt, um fabricante rico de Chicago, estava morando temporariamente em uma pequena cidade do centro de Nova York, cujo nome a memória do escritor não lembra. Mr. Holt teve "problemas com sua esposa," de quem se separou um ano antes. Se o problema era algo mais sério que "incompatibilidade de gênio", ele é provavelmente a única pessoa viva que sabe: ele não é dado ao vício de confidências. No entanto, ele descreveu o incidente aqui contado, pelo menos a uma pessoa sem exigir  segredo. Ele está agora a viver na Europa...'

3 comentários:

Casa amarela disse...

SER POBRE É O QUE ME MATA....

Casa amarela disse...

BAITA VIAGEM !!!

SE PERCISAR DE UM CHAPA PARA CARREGAR E DESCARREGAR CAMINHÃO, AVISA

Margranz disse...

Show!