sexta-feira, 18 de março de 2011

À Sombra do Celulóide: cinemas, cartazes, vesperais e matinês contados pelo último bilheteiro

MAISBARULHO vem acompanhando há alguns meses, através do G1, as notícias sobre o fechamento do tradicional Cine Belas Artes, no número 2423 da Rua da Consolação, Centro de São Paulo. Depoimentos emocionados marcaram o último dia do cinema (17/3/2011), cujo proprietário do prédio apesar de inúmeras tratativas comerciais e quizilas jurídicas optou por retomar o imóvel (http://maisbarulho.blogspot.com/2011/03/cinefilos-do-belas-artes-se-emocionam.html).

Especulações à parte, noite frouxa insinuava-se nos início dos anos 90 no Centro de Florianópolis, encontro o jornalista Paulo Fiuza e atravessamos a Praça XV de Novembro em direção à Kibelândia. A primeira cerveja ainda não acabara quando entra no bar quase vazio Seu Paulo, o velho homem da loteria que circulava por toda região central, nas repartições públicas, Mercado e terminal de passageiros com seus bilhetes da Federal. Seus olhos azuis e doces destoavam das evidências que o tempo estampara em seu rosto. - Seu Paulo, aceita um kibe, um café? - Obrigado meu filho, tô me sentindo cansado hoje e a féria não foi gorda, assentiu com a voz sumindo.

Há mais de duas décadas, quase oito horas de uma noite de inverno zunida pelo vento sul, dia de semana sem viv’alma nas esquinas que enquadram a Praça XV. O singelo convite rejuvenesceu-lhe as feições em alguns anos, olhos vistos. Pediu uma licença envergonhada e sentou-se conosco à mesa. Fiuza, esperto, provocou o assunto que mais animava aquela alma surrada: - estávamos falando de cinema, Seu Paulo. Os olhos ganharam vida na face sulcada. – Já contei que fui bilheteiro no Ritz e no São José? A paixão do octagenário pelo cinema nos transportou para o tempo do Roxy, Coral, Império, Jalisco, Cecomtur. Lembrava detalhes de cartazes, nomes de atores e atrizes, enredos e tramas, as trilhas sonoras e seus compositores. A conversa sobre as matinês de domingo, o vesperal dos sábados e o footing nas escadarias da Catedral tinha termo na garrafinha de guaraná que dignamente aceitara e prazo que obedecia ao horário da condução. Findo o papo, um trapo de gente reincorporava-se-lhe às feições e as velhas histórias desperdiçavam-se no baú do fim da vida. – Mais um kibe, Seu Paulo? – Não, meu filho. Muito obrigado. Tenho que pegar o ônibus. Uma filha conseguiu um quartinho em Capoeiras... Aquela noite Seu Paulo saiu da Kibelândia, seguiu pela rua Victor Meirelles e desceu a rua Nunes Machado em direção ao terminal rodoviário pela última vez.

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