quinta-feira, 5 de março de 2009

DOI-CODI e Deep Purple

JUNHO de 1970 - O escrevinhador dessas linhas tinha apenas 7 anos e recebe de sua mãe seu primeiro disco de presente. Um provável equívoco de Dona Rosa que voltava de Buenos Aires com o velho Paulo, meu pai, e meu tio Emanuel Tadeu acompanhado de Tânia. Na bagagem o recém lançado Deep Purple In Rock. Ainda na chegada ao aeroporto Hercílio Luz, Adolfo os alerta que estavam malucos em retornar ao Brasil. O cenário político era assombroso, o mesmo que levou logo depois Emanuel para os porões do DOI-CODI da rua Tutóia, bairro Paraíso, em Sampa. E que algum tempo depois quase sumiu com Paulo que tentava, em vão, libertar ou manter vivo seu irmão trancafiado nas garras do regime mais perverso que esse país já teve. Época de cabelos compridos, suiças e bigodão meio riponga, batas coloridas e preocupações com a sobrevivência, notícias canalhas de morte e desaparecimento de amigos e familiares. Pau-de-arara, enforcamentos e corpos lançados em covas comuns ou de aviões. Lendas? Não, não são. O toco de cada uma das velas acendidas é testemunha que não. Cada prece e oração dos filhos pequenos reunidos de joelhos pela mãe, esperando notícias que não vinham do pai sumido em São Paulo, a angústia mal-dissimulada dos relatos mais perversos, tudo isso é testemunha.

DOI-CODI e Deep Purple II


Tenho o LP até hoje. Nele, a letra desenhada de minha mãe que partiu apressada por um câncer há pouco mais de um ano, ainda está na capa do disco que guardo com muito carinho. Buenos Aires, 1970. A capa azul do vinil, com a cara dos integrantes da banda substituindo os presidentes americanos no Monte Rushmore, tá meio ruída pelas traças e cachorros que cruzaram seu e meu caminho. Muita agulha sulcou a velha bolacha, já meio empenada, lançando por esforçadas caixas-de-som a voz de Ian Gillan esganiçado em Child in Time. Hoje à noite ele estará cantando em Florianópolis acompanhado daquela formação por Roger Glover, o baixista e Ian Paice, o batera. Ao invés das boas lembranças perdidas na infância, o disco me dá uma tremenda saudade da minha velha, da fita Basf que veio esquecida no deck Phillips. Gravada nela, apenas a belíssima música Across the Universe, dos Beatles. Saudade das manhãs de sábado, quando no prato, nos intervalos de Chico Buarque e cia, Deep Purple invadia sem trégua a tranquilidade dos domínios familiares. Mais sobre a banda em http://pt.wikipedia.org/wiki/Deep_Purple.






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